Portugal e os Campeonatos Internacionais das Profissões
Autor: Carolina Pereira (Docente do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa)
Em Portugal, os Campeonatos das Profissões, também designados por Concursos Internacionais das Profissões pretendiam ser a resposta, ou pelo menos chamar a atenção, para vários problemas que se colocavam ao país no final do Pós Guerra e que criavam obstáculos ao seu desenvolvimento económico, em particular ao movimento de industrialização. Segundo Franco (1950), Diretor dos Serviços de Camaradagem da Mocidade Portuguesa, considerava-se que a Indústria tinha falta de confiança na formação e preparação dada aos aprendizes nas escolas técnico-profissionais, e ainda que se desvalorizava os conhecimentos dos aprendizes quando os colocava a desempenhar funções menores, apenas com o intuito de poupar algum dinheiro. Outro problema a combater prendia-se com a falta de orientação profissional dos aprendizes que, muitas vezes, por razões económicas transitavam de uma profissão para outra sem permanecerem num ofício o tempo suficiente para se especializarem em determinada área.
Estes problemas resultavam de um contexto de isolamento nacional que se foi agravando ao longo das primeiras décadas do século XX. A ditadura de Salazar (entre 1933 e 1974) criou um regime isolado, corporativista e repressivo, que mantinha analfabetos metade dos portugueses. O trabalho era predominantemente agrícola – ocupação de mais de 50% dos trabalhadores em 1950 – e a população portuguesa a mais jovem da Europa. A sociedade de então caracterizava-se por ser acentuadamente tradicionalista e local.
Durante a década de 40, marcada pela II Guerra Mundial, na qual Portugal se mantém neutral, o país atingiu uma balança comercial positiva – com importações em níveis mínimos, o País exporta volfrâmio, têxteis e metais. Apesar da neutralidade proclamada, Portugal apoia a Alemanha por solidariedade ideológica e acaba a II Guerra Mundial ao lado das potências vencedoras – sobretudo graças à concessão da Base das Lajes nos Açores aos Aliados.
No final da guerra, Portugal permanecia um país periférico e pobre, com uma economia improdutiva e um mercado reduzido, caracterizado por baixos salários e fraco poder de compra. O Estado português regulava rigorosamente a economia, apesar do controlo dos meios de produção ser detido por privados.
Esta conjuntura, acrescida do auxílio financeiro que Portugal se vê obrigado a solicitar em 1948 no âmbito do Plano Marshall – Plano de Recuperação Europeia – e da adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em 1948, cuja principal missão é apoiar e promover o crescimento económico sustentado e equilibrado no seio dos seus Estados-Membro, leva a que o país repense o sistema de ensino profissional, nomeadamente a formação de técnicos especializados. Assiste-se, então, a uma reformulação do ensino industrial e comercial que consistiu no aparecimento de novos cursos, ministrados pelas escolas industriais, comerciais e de artes decorativas. Alguns destes contemplavam a formação profissional em ambiente de trabalho-fábricas, oficinas, entre outros.
Decorrente de toda esta mudança, e ainda no ano de 1948, são reorganizados os serviços do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, através do Decreto-lei 37244, de 27 de dezembro. Na sua dependência é constituída a Direção-Geral do Trabalho e Corporações com a função, entre outras, de superintender a aprendizagem e formação profissional. Paralelamente e perante esta nova realidade económica e política do pós-guerra dão-se duas grandes reformas no sistema educativo: a reforma do ensino liceal (1947) e do ensino técnico (1948), sendo esta última uma tentativa de valorizar a competência técnica, aproximando-a da formação intelectual.
Ao longo da década de 40 e decorrente de uma aproximação forçada pelo isolamento ibérico durante a II Guerra Mundial, Portugal e Espanha vão estabelecendo contactos e ensaiando iniciativas. Exemplo destas iniciativas é a proximidade criada entre as cidades de Lisboa e Madrid, que após o I Congresso das Capitais em Paris em 1948, mantêm contactos e fortalecem os mesmos em várias visitas no último trimestre de 1950, período em que acontece o II Congresso das Capitais em Lisboa. Estes encontros que envolvem capitais dos vários continentes são realizados sob o objetivo de resolverem “problemas comuns” (Quadros, 1950). Ainda durante esta década se vão fortalecendo os laços e contactos entre as estruturas da Mocidade Portuguesa e a Frente de Juventude, que desde 1944 tentam organizar campeonatos entre as secções desportivas.
É neste contexto que se enquadra a iniciativa “Campeonatos das Profissões” com a chancela organizativa da Mocidade Portuguesa em Portugal e cuja primeira edição data de 1950, realizada em Madrid. Nesta primeira edição conjunta cada um dos países é representado por 12 concorrentes repartidos pelas 12 profissões a concurso. A delegação portuguesa foi acompanhada pelo inspetor da ação social Vasco Bruto da Costa e por vários professores. A Mocidade Portuguesa aponta como principal motivação para participar a valorização da função de aprendiz para uma formação técnica e moral consistentes.
Desta forma se compreende que os problemas que a Mocidade Portuguesa se propõe combater com a organização destes concursos levem à tentativa de sensibilizar a entidade patronal da tarefa formativa que lhe compete, assim como de tentar atenuar, senão banir, a separação que existe entre empresa e escola; contribuir para a partilha e desenvolvimento de novos métodos e técnicas laborais; sensibilizar a sociedade para a importância da aprendizagem em contexto laboral, tendo como objetivo o crescimento económico e a coesão social; e promover as empresas aí representadas. Politicamente também interessa à Mocidade Portuguesa, profundamente enraizada no sistema escolar e de formação profissional (escolas comerciais e industriais), ter acesso ao operariado e à possibilidade de condicionar, também aí, o desenvolvimento dos jovens que não integram o sistema escolar e que por isso ficam mais longe dos processos ideologizastes promovidos pelas suas atividades.
Com a adesão à NATO (1949), à ONU (1955) e, sobretudo, à EFTA (1959), bem como com a implementação de um abrangente programa de obras públicas (transportes, hospitais, escolas), o país começou efetivamente a industrializar-se, datando do período entre 1960 e 1973 o maior crescimento económico em Portugal. A mudança que Salazar evitou com a neutralidade na II Guerra Mundial acabaria por ser inevitável na sequência de acontecimentos que sacudiram o país na segunda metade do século XX.
A sociedade portuguesa passou por diversos momentos-charneira, como os movimentos oposicionistas (a candidatura de Humberto Delgado às eleições presidenciais de 1958), a visita de milhões de turistas em busca das praias quentes do Sul de Portugal, a sangria populacional (entre 1950 e 1974 emigraram quase dois milhões de portugueses), ou a integração das mulheres no mercado de trabalho. De facto, o investimento, as trocas comerciais, a emigração e o turismo operaram mudanças significativas nos padrões de produção e consumo de pessoas e empresas, contribuindo decisivamente para a transformação estrutural do tecido económico-social do país.
As acentuadas transformações sofridas pela sociedade portuguesa não se ficaram por aqui. A guerra colonial (1961-1974) revelar-se-ia um sorvedouro de dinheiro público – cerca de 50% da despesa do Estado destinava-se a adiar a independência dos territórios ultramarinos –um constrangimento político e um fator promotor de insatisfação da população, levando inevitavelmente ao enfraquecimento do governo. É neste período de profunda mudança, que Portugal afirma a sua participação nos campeonatos internacionais, desenvolvendo uma estrutura interna de captação de aprendizes que envolve as principais escolas comerciais e industriais do país, mas essencialmente recorrendo às estruturas “informais” de formação profissional das principais empresas nacionais que abrangem o território nacional. A importância que estes campeonatos assumem é demonstrada na organização do XIII Campeonato Internacional das Profissões, em Lisboa, na Escola Industrial Marquês de Pombal, uma das mais antigas e mais bem cotadas escolas nacionais.
Em 1974, ano em que Portugal deveria novamente receber o concurso internacional, Portugal sofre alterações políticas profundas. A 25 de Abril dá-se a revolução que termina com o regime ditatorial e abre espaço ao um novo modelo político, de cariz democrático. A associação dos campeonatos ao regime anterior, por via da coordenação da Mocidade Portuguesa, leva a que Portugal, embora permanecendo membro, deixe de participar nos campeonatos. A participação efetiva só é retomada em 1981, muito devido aos esforços desenvolvidos por Francisco Matos Dias, antigo participante e vencedor de uma medalha de ouro no campeonato de 1957, e que também participa ativamente nos campeonatos como membro do Júri Internacional entre 1964 e 1974. Em 1980, Matos Dias, nesta altura já integrado no recém criado (1979) Instituto do Emprego e Formação Profissional, inicia contactos diretamente com o presidente da IVTO[1] e com o Secretário de Estado do Trabalho Português no sentido de retomar a participação portuguesa. Matos Dias, fervoroso defensor da relevância dos campeonatos para o país e para os jovens que neles participam, torna-se o principal responsável pela organização dos campeonatos a nível nacional. Nesta altura é criado um gabinete especificamente com essa função na estrutura do IEFP, coordenado por Matos Dias que é ainda nomeado Delegado Oficial, papel que assume entre 1981 e 1995, altura em que se reforma.
A retoma ativa da participação portuguesa nos campeonatos tem ainda repercussões mais alargadas. Em 1983, dado o papel que Portugal desempenha na captação de novos membros, particularmente no âmbito dos países falantes do Português – 1982 Macau e 1983 Brasil -, Matos Dias propõe que o português seja integrado como língua de trabalho das provas, o que é aprovado e se mantém por vários anos.
Internamente, Portugal apoia a iniciativa dos campeonatos desde a retoma como participante ativo, desenvolvendo o sistema de apoio nacional e promovendo a participação dos jovens em formação. Nas duas últimas décadas esse investimento tem vindo progressivamente a crescer, verificando-se uma maior sofisticação no sistema de suporte integrado na estrutura do IEFP, nomeadamente com o crescimento do núcleo dedicado a esta iniciativa e com o alargamento de atividades conexas de suporte à participação dos jovens. Internacionalmente, Portugal é ainda um membro ativo cujo empenho se tem traduzido em iniciativas como a fundação da WorldSkills Europe, com representação nos Comités Estratégicos e Técnicos, ou a organizado a II edição em Lisboa em 2010, que decorreu em simultâneo com a Assembleia Geral da WorldSkills Internacional.
Interessa salientar que, desde a primeira edição das competições internacionais, Portugal participou com 728 jovens, ganhou 29 medalhas de ouro, 61 medalhas de prata, 56 medalhas de bronze e 105 medalhas de excelência. Conta também anualmente com a participação de centenas de jovens ao longo das diversas fases do campeonato nacional.
[1] A International Vocational Organization (IVTO) foi a organização percursora da atual WorldSkills International.
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