A nova estratégia e metodologia de treino nos estágios para as competições internacionais

No início da 3.ª semana de estágio para o Campeonato Europeu das Profissões, EuroSkills Graz 2021, estivemos à conversa com o Delegado Técnico Assistente da WorldSkills Portugal, Carlos Diogo, que nos explicou em detalhe a nova estratégia de treino adotada para 2021, e que visa associar a excelência de desempenho ao alto rendimento.

Carlos Diogo, Delegado Técnico Assistente da WorldSkills Portugal

WSP: Porquê a necessidade de introduzir uma nova estratégia neste ciclo?

Carlos Diogo: Houve várias razões que nos levaram a esta alteração. Enumero algumas, como por exemplo, o facto de constatarmos que grande parte dos concorrentes que integram as equipas nacionais são, muitas vezes, “gigantes com pés de barro ”, ou seja,  possuem grande capacidade de desempenho, mas também apresentam algumas fragilidades de base. 

Por outro lado, o adiamento dos campeonatos internacionais trouxe um “conforto” indesejável à equipa nacional, a que, em certos casos, se associa alguma desmotivação. Mas, na realidade não temos mais tempo, ou seja, temos rigorosamente o mesmo tempo que os outros países (e eles continuam a treinar afincadamente). 

Acresce, ainda, que o que habitualmente fazemos é um treino intensivo, devido ao pouco tempo disponível para treinar os concorrentes, isto é, centrado na execução da prova dentro do tempo regulamentar, com o desempenho cronometrado, com vista à conclusão da prova dentro do tempo previsto. Este foco, esta  pressão do tempo, inibe frequentemente os concorrentes de atingirem níveis de qualidade compatíveis com os campeonatos internacionais, gerando sentimentos de insatisfação e insegurança no desempenho.

Foi tudo isto conjugado que nos levou a definir como estratégia de treino para esta fase, um treino extensivo, que visa diagnosticar e corrigir as lacunas de base existentes. E é igualmente colocada a tónica na consolidação da qualidade de desempenho antes de ser implementada a pressão do tempo e, consequentemente, o aumento de rendimento.

Sendo o nosso objetivo atingir desempenhos de excelência, partimos da metodologia inicialmente adotada, baseada no ciclo do sucesso, e associámos algumas estratégias com vista à consolidação das bases técnicas da profissão e ao desenvolvimento da qualidade de desempenho.

Em síntese, seguimos quatro etapas:

– o diagnóstico, que inclui o teste, a autoavaliação, a avaliação conjunta, a análise, a definição da estratégia a implementar e o planeamento das atividades;

– a consolidação de conhecimentos / técnicas, ou seja, a implementação da estratégia de acordo com o planeamento;

– a qualidade do desempenho que não é mais do que o treinos para a excelência do desempenho e

– o rendimento e cumprimento dos tempos de prova, ou seja, o treino com foco na redução do tempo, mantendo a qualidade atingida.

WSP: Sendo esta uma nova estratégia, talvez fosse importante, aprofundar um pouco mais cada uma das etapas. O que se passa em cada uma delas?

Carlos Diogo: Bem, no “Diagnóstico” pretende-se avaliar a solidez dos conceitos / conhecimentos / técnicas / operações nas tarefas base da profissão. É feito através de testes de curta duração que visam detetar inconsistências, enviesamentos ou lacunas nas referidas bases técnicas da profissão. Cada teste é acompanhado de uma ficha de avaliação exaustiva, onde constam todos os aspetos que possam ser avaliados para o objeto do teste em questão. Em suma, o concorrente resolve o teste e faz a sua autoavaliação de forma totalmente autónoma. Após isso , o treinador ou, na sua ausência o preparador (ou ambos, se estiverem presentes), faz a avaliação em conjunto com o concorrente. Neste processo de avaliação é comparado, aspeto a aspeto, o resultado da avaliação com a autoavaliação. É através da análise dos resultados da avaliação e autoavaliação que é possível detetar lacunas ou enviesamentos de conceito/compreensão/visão ao nível dos conceitos, dos conhecimentos e das técnicas de realização das operações.

Para tornar mais claro, dou um exemplo. Se um concorrente, na autoavaliação, atribui a pontuação a um determinado aspeto e na avaliação esse aspeto é considerado errado, mais do que um erro, temos uma diferença de visão/conceito. O concorrente não errou no que fez, nem na forma como avaliou o seu desempenho. Segundo o seu conceito, ele fez bem e com o tal atribuiu pontuação em conformidade. Face a uma situação destas, cabe ao treinador entender qual a raiz do problema e corrigir.

Na etapa de “Consolidação” implementam-se os exercícios com base na estratégia definida e de acordo com o planeado. O processo anteriormente descrito, na etapa de Diagnóstico é, então, repetido até que se comprove que todas as discrepâncias identificadas estão resolvidas.

Já na etapa da “Qualidade” coloca-se a tónica na qualidade, em detrimento da rapidez de execução. Pretende-se que os concorrentes consigam atingir desempenhos de excelência na execução das operações e tarefas fundamentais da profissão, que serão objeto da prova da competição internacional, sem a excessiva pressão do tempo. Assim, o tempo será registado apenas como referência, não obstante, as tarefas a executar devem ser concluídas dentro de tempos adequados.

Nesta fase tornam-se  evidentes as áreas em que o concorrente consegue atingir a excelência e aquelas em que não conseguirá esse nível de desempenho. Isto contribui consideravelmente para a satisfação e motivação do concorrente, por este conseguir atingir e superar os níveis de desempenho, que até aí estavam comprometidos pela pressão do tempo.

Finalmente, na etapa “Rendimento” após ter atingido o patamar de qualidade de desempenho pretendido, o concorrente terá que aumentar o ritmo de trabalho até conseguir cumprir o tempo de prova, sem comprometer a qualidade de desempenho. Para isso, o tempo é registado por operação, sub tarefa e tarefa e voltam a ser elaborados mapas de rendimento para monitorizar a evolução do concorrente.

WSP: Falámos de estratégia, e no que respeita à metodologia? Como é que esta estratégia se operacionaliza?

Carlos Diogo: A metodologia de treino baseia-se numa espiral evolutiva com desenvolvimento centrado no eixo das competências e que se desenvolve através daquilo que denominámos como ‘ciclo de sucesso’.

Este ciclo inicia com uma avaliação diagnóstica (prova); passa pela avaliação, com a autoavaliação do concorrente e posterior avaliação conjunta com o expert; pela análise da avaliação e dos registos do desempenho do concorrente (que podem ser fotos, vídeos, etc.), numa ótica de avaliação do processo, onde são também avaliadas as competências sociais e organizacionais. Em função da análise, é definida a estratégia de treino, que poderá passar por formação especifica, e é feito o planeamento das intervenções a implementar.

Após cada ciclo é feita uma prova para aferir a evolução do treino. Estas provas podem ser de desenvolvimento autónomo, associado a grande exigência técnica, para testar também a resistência à pressão e frustração, ou provas acompanhadas, onde o treinador vai confrontando o concorrente com as suas falhas e corrigindo sempre que necessário. 

Na estratégia de treino foi também introduzida o que convencionámos designar como ‘Inteligência competitiva’ baseada em cinco eixos: atitude; decisão (gestão de prioridades); gestão dos pontos grátis; conhecimento das regras e disciplina.

WSP: Pontos grátis? Consistem em quê?

Carlos Diogo: Com a consciência de que as medalhas dependem não só do desempenho do próprio, mas também do desempenho dos outros concorrentes, a estratégia definida centra-se na acumulação de pontos numa lógica de pirâmide. Ou seja, na avaliação, em todas as profissões, existem aspetos relacionados com as diferentes áreas de competência que convergem para a excelência profissional. Mas além dos aspetos que refletem o nível de desempenho técnico, existem também os que refletem os aspetos comportamentais e organizacionais. A estes últimos convencionámos denominar de ‘pontos grátis’, por serem aqueles que estão garantidos à partida e só se podem perder se o concorrente incumprir alguma regra (por exemplo de Higiene e Segurança no Trabalho) e for penalizado. Assim os pontos grátis serão a base, seguidos dos pontos correspondentes a operações/tarefas básicas e progredindo, gradualmente para os mais inacessíveis, potenciando a acumulação de pontos e uma melhor classificação final.